Delivery de Luxo


Vestido de festa a jato: Figueiredo desenha e ajusta o modelo de Bianca
num dia, faz a bainha e entrega no outro. (Fotos Fabiano Accorsi)

O que se pode oferecer a alguém que já tem tudo? A resposta é simples: tempo. Na busca de clientes que têm tudo para comprar o que quiserem, menos a disponibilidade de ir até a fonte de consumo, começa a se espalhar um serviço batizado com o horripilante nome de atendimento delivery, aquele que, em vez de aguardar a visita do interessado, vai até ele com o produto. Nada a ver, evidentemente, com entrega de comida em casa – delivery, no caso, significa comprar sem sair de casa desde charutos (incluindo o agradinho extra de uma aula com especialista do ramo) até um vestido de festa Dior de 25.000 reais. Num mundo de furiosa competição para vender produtos parecidos a um grupo limitado de pessoas (limitadíssimo, no caso do alto luxo), mimar, ir em casa, facilitar pode fazer toda a diferença. "A cliente gosta de ajuda, de aconselhamento. É bom para ela e bom para a loja", diz Rosangela Lyra, diretora no Brasil da Dior, que desde que foi inaugurada paparica compradoras fiéis com vendas em domicílio. "Metade das nossas clientes prefere comprar desse jeito. Elas se sentem mais seguras quando podem comparar a roupa nova com as outras peças do closet. Não lembro de nenhuma vendedora que tenha voltado de mãos vazias", acrescenta.


O diferencial da chef Gisela: além de fazer jantares na casa do cliente,
ela ensina as cozinheiras a selecionar, cortar e servir a mesa (Cadu Maya).

A tática, de fato, é praticamente infalível – que mulher, diante de uma série de coisas maravilhosas espalhadas na própria cama, comete a indelicadeza de não oferecer abrigo a pelo menos uma delas em seu armário? "Esse tipo de atendimento faz o consumidor valorizar mais o produto. É um serviço que tem se disseminado muito nas capitais do Sudeste e do Sul, como forma de fidelizar clientes da classe média alta", diz Nelson Barrizzelli, consultor de comércio varejista e professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Tradução: não basta vender, tem de paparicar. "Quanto mais caro o produto, mais sofisticado tem de ser o serviço, para que a pessoa, além de comprar o que deseja, também se sinta especial", analisa Ismael Rocha, coordenador de pós-graduação em marketing de produtos de luxo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Rogério Figueiredo, o estilista que diz ter doado 400 peças de roupa a Maria Lúcia, mulher do candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, vai à casa das clientes, se precisar, mas sua especialidade é a entrega ultra-rápida: promete desenhar e confeccionar vestidos de festa exclusivos e sob medida em 24 horas – um nicho novo num setor já saturado de mimos e mordomias, que ele se vangloria de ter percebido antes. A procura é tamanha que, recentemente, ampliou a equipe para quinze pessoas, sendo onze costureiras e quatro bordadeiras. A empresária Bianca Cury, 24 anos, chegou ao ateliê numa manhã de quinta-feira procurando desesperadamente um longo para usar no aniversário da avó, dois dias depois. "Eu ia com um vestido antigo, mas depois achei que a situação merecia um novo. Tive medo de comprar pronto e encontrar alguém com um igual na festa", diz. Na mesma hora, Figueiredo criou o modelo, definiu o tecido de renda verde e montou no corpo de Bianca a tela que serviria de base para o produto final. Na manhã seguinte, ela esteve na loja para acertar o comprimento. À tarde, quando voltou para casa, o vestido já estava lá, prontinho. "Roupa feita no corpo é diferente. E não paguei a mais por isso", diz ela, satisfeita (os preços variam de 3.500 a 6.000 reais). "Mulher adora luxo e exclusividade", constata Figueiredo. Na mesma busca da diferença que conta pontos e faz a cliente voltar, na rede de lojas de enxovais finos Trousseau as vendedoras não só comparecem com caixas e caixas de roupa de cama, mesa e banho como ainda ensinam a arrumar a cama (processo crescentemente complicado, como se vê na "aula" rápida ao pé das páginas anteriores) e a mesa e dão dicas sobre como lavar e passar os lençóis e as toalhas. "Cama montada na casa da cliente é venda feita", garante Tata Almeida, vendedora da Trousseau há treze anos. "Não tenho tempo de ir à loja. Além disso, gosto de ver o lençol na minha cama", concorda uma das "clientes fortes" da marca, Cida Nunes. Casada com o cabeleireiro Wanderley Nunes e instalada num novo e luxuoso apartamento em São Paulo, Cida investiu 40.000 reais na renovação do enxoval em duas visitas domiciliares da vendedora Tata.

Competindo com bufês e nomes estrelados, a chef Gisela Schmitt, 27 anos, cuja especialidade é ir à casa do cliente para preparar jantares, percebeu a tendência e "agregou valor" ao seu cardápio de serviços: há seis meses, dá aulas de culinária trivial e requintada para cozinheiras de famílias ricas, a quem também ensina a escolher e comprar ingredientes na feira e no supermercado, manusear a faca no corte de carnes e pôr e servir a mesa. Cada aula custa 300 reais. No mesmo segmento de serviços altamente especializados, o sommelier Manuel Luz cobra 1.500 reais (fora os vinhos) para organizar uma degustação completa, com palestra incluída, e uma tabacaria de São Paulo, perante garantia de venda de no mínimo 2.000 reais em charutos, manda junto com a encomenda o especialista Rodrigo Gorga, que dá uma aula sobre o produto e ainda ensina a harmonizar o fumo com bebida. "Com a reabilitação do charuto, sentimos que os novos consumidores queriam saber mais sobre a cultura do produto", teoriza Gorga. Nada, realmente, a ver com aquela pizza domingueira entregue pelo motoboy.

Por Sandra Brasil Revista Veja

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